Afoxé lê i, lê i lê ô!
Afoxé lê i, lê i lê ô!
Afoxé lê i, lê i lê ô!
Afoxé em nagô quer dizer, o sopro do pó, o pó soprado pela boca formando o som, o verbo, na Bahia, afoxé é outra coisa, na Bahia afoxé é bloco de carnaval, cordão de carnaval, uma coisa especial, uma coisa original, que é no carnaval, mas não é no carnaval, afoxé não é escola de samba, não é trio elétrico, não é frevo, não é marcha, é afoxé, afoxé, afoxé!
Vem do candomblé, candomblé, candomblé, candomblé, um bocado de preto, tudo vestido de branco, cantando umas invocação, umas melodia tudo com ritmo próprio, os atabaque batendo, os agogô cantando, e eles invocando os orixá, então é uma coisa religiosa no carnaval, por isso que eu disse que é no carnaval mas não é do carnaval, o afoxé, vem pro carnaval cantar as tradições religiosas dos preto, da Bahia, outro dia, eu tive com Didi, o filho de sinhora, sinhora foi uma das maiores babalorixas que já teve na Bahia, salvo menininha que tá inda vindo lá, minha mãe, minha mãe menininha, ai minha mãe, menininha do cantôa, ai minha mãe,minha mãe menininha do cantôa!
Pois é, Didi tava me dizendo que o primeiro afoxé que teve, foi ele que boto na rua, ele e os amigos dele, e se chamava filhos de Gandhi, eu perguntei:
_Didi, porque essa história de Gandhi, essa coisa oriental?
Ele disse:
_ Eu não sei, deu na veneta do pessoal.
O afoxé é assim, as mulé de bahiana né? tudo de branco e os homí com uns turbante, umas tunicas carregando umas alegorias, uns elefantes, uns camelos, umas coisas tudo oriental. Uma mistura assim de norte da áfrica com índia, um negocio parecido com Jorge Ben, é , é a coisa mais parecida com isso que tem, é, podes crer. Quer dizer isso mesmo, e eles cantam aquelas coisas, aquelas invocação, então eu disse:
_ Mas, filhos de Gandhi?
Ele fez :
_ é!
Ai outro dia, depois que eu tive com Didi, eu tive umas informação sabe como é gente, sempre tem umas informação, a gente lê uns livros, a gente conversa com umas pessoas e a gente acaba sabendo de umas coisas, eu tive sabendo, que na Bahia, no fim do século passado, veio uns pretos quase perto da abolição, vieram uns pretos do norte da áfrica, da tribo dos malê, os índios malê, e eles acreditavam em Alá e falavam árabe, então eu disse:
_ Vai ver que afoxé deve ter alguma coisa com isso.
Didi me disse que Gandhi saiu no primeiro ano, ai saiu no segundo ano, no terceiro foi fazendo sucesso, as pessoas gostavam daquilo na rua, aquela coisa na rua, aquela brincadeira de carnaval, mas concentrada, tranquila, era uma espécie de procissão alegre, uma procissão em nome da alegria, em nome da euforia, em nome da brincadeira e ligado aos orixás, aos santos, da religião negra, que foi preservada lá na Bahia. Graças a deus!
Então, e agora o afoxé tá pra acaba, tá pra acaba. Didi me disse:
_ Gandhi foi crescendo, Gandhi ficou Grande, Gandhi ficou grande, Gandhi ficou grande, chegou a sair com duzento, trezento, quinhento até mil, e agora, tá pra acaba, depois de Gandhi surgiram muitos outros e ficaram importantes também. Deixa a vida de Quelé, Mercadores de Bagdá, Filhos de Obá e um bocado de uns outros pequenininhos também, que são mais bacana ainda, que tem uns caboclos, eles se veste de indio e saem dançando junto com as bahiana, é uma mistura danada, é tudo é... uma coisa, um.. pan..demonio.
_ E, agora tá tudo pra acabar, ameaçado, outro dia eu fui brincar na praça da sé, no carnaval que passou, ai eu tava lá brincando e de repente eu me lembrei do afoxé, tinha um rapaz assim do lado e eu perguntei pra ele:
_ Meu irmão, onde tá o afoxé? Me diga ai, você viu o afoxé. E ele fez:
_ Ah, o afoxé,aé tinha um hoje por aqui, passou ai mais cedo, deve tá pra lá.
Eu fiz:
_ Pá lá pra onde?
Ele fez:
_ Pra lá.
Eu fiz:
_ A onde?
Ele fez:
_ Vá!
Eu fui, mas ai eu já achei estranho, porque antigamente, quando ao afoxé tava na praça não tinha nada que procurar, o som enchia tudo, a gente chegava na praça e era aquele mundo de gente, era quatrocentos, quinhetos tudo vestido, aqueles turbantes, aquela maré branca no meio da praça da sé e aquelas cantigas de arrepia, as mulé:
Oxê-lê-i! Lê-í! Lê-ô!
Oxê-lê-í! Lê-í!Lê-ô!
E outras muito, tudo cantada em nagô e ioruba, ioruba era um dialeto que tem na Nigeria, de onde veio a maioria dos preto que tão na Bahia, da nação “gegê”, então eu fui.
Digo, mas estranho, antigamente não era assim, afoxé não tinha que se procurar, afoxé tava na praça, os atabaque batendo, os agogô cantando, a gente se arrepiando e aquela coisa mística no carnaval, quer dizer, o carnaval também já é uma coisa mística em si mesmo é claro, mas eu falo esse outro lado explicito, especifico, religioso, trazido de lá dos terreiros, aquilo era um negocio magnetizante, era mesmo, era a coisa que eu mais gosto do carnaval da Bahia.
Ai eu fui pra lá, com licença, com licença, cheguei num canto assim da praça, eu vi um grupinho, os meninos com uns turbantes branco, umas túnicas brancas, com as calças azul, eu disse:
_ É os filhos de Gandhi, filhos de Gandhi é azul e branco.
Me aproximei de um deles e disse assim:
_ Meu irmão venha cá! Como é que tá o afoxé ? e tal, todo animado.
Ele fez:
_ Afoxé tá pra acaba!
Eu disse:
_ Tá pra acaba?
Ele fez:
_ É, afoxé não dá mais pé, afoxé não dá mais pé, esse ano quase que não dá, ano que vem eu acho que não vai dá.
Eu disse:
_ E porque? O quê que há?
Ele fez:
_ Os direto, deram tudo pra brigar, o vice presidente qué uma coisa o presidente qué outra e tem um cara que disse que... é relações publica, não sei que diabo que ele faz, e tem um direto lá que disse esse ano que a gente tinha que compra aquele pano que não amarrota nem perde o vinco, porque, porque ah, sabe como é e pode chover e se chover não encolhe e fica tudo bonito e aquelas coisas e fica parecendo com os deputado e os ministros, sabe como é aquelas roupas, aqueles panos brilhantes não sei o que e pá pá pá.
Eu disse:
_ É.
E ele:
_ O turismo também, o departamento de turismo não quer ajudar, tá pá acabar, tá tudo ruim, esse ano cê tá vendo, só tem umas vinte ou trinta que conseguiram sair, ano que vem acho que não vai dar.
Eu fiquei, aquilo ali me chocou sabe, aquele papo, eu vim todo animado, ai eu fui pra casa meio triste, passou o carnaval e eu vim pro rio pra trabalhar.
Outro dia eu tava em casa no rio, ai eu me lembrei de novo do afoxé e disse assim:
_ Meu deus do céu o afoxé tá pra acabar! E logo a coisa que eu mais gosto no carnaval da Bahia. Como é que é.
Fiquei pensando, ah quem sabe, de repente eu disse assim:
_ Ah quem sabe?A gente sabe cantar, pelo menos um bocadinho a gente sabe cantar, se a gente cantar deus até pode escutar, claro, ele tá aqui dentro mesmo, ele escuta tudo né. Quer dizer também tem os orixás, que tão por lá por cima né? que os pessoal acha que os orixás tão lá por cima né? são os tal, os tal dos deuses né? são os deuses né? e lá os negro tem os deles, os orixá, ogum, oxum, oxum maré, Iansã, iemanjá e etc e tals. Então eu digo:
_ Quem sabe se a gente cantar, eles pode tudo se juntar lá por cima e resolver ajudar a gente, e o afoxé não acabar!