Os pingos da chuva começavam a pintar o asfalto num tom mais escuro gota por gota e todo o céu se fechou para ver a fúria das águas. Ou as gotas da chuva pintavam o solo para receber a escuridão das nuvens, que de tão bravas afugentaram o sol.
Em algum lugar da rua escutei um grito feliz, mas desesperado “Olha a chuva Maria!”. E como algum reflexo materno vi a vizinha sair correndo através da porta de alumínio e tentar resgatar as roupas no varal improvisado.
“Ai Jesus!” a vizinha vomitou enquanto tentava salvar o máximo de peças que pudesse, mesmo que debilitada pela idade e pela diabetes que escondidamente ela alimentava com as goiabadas camufladas sob o colchão da cama. De repente seu neto, um guri de pele quase negra e de incríveis olhos azuis, olhos que a avó dava ênfase em mostrar para as amigas de novena explicando ser da descendência italiana de seu genro e ingênua do adultério da filha, saiu correndo pela porta gritando, “chuuuva!” indiferente dos salvamentos da avó.
Automaticamente sendo repelido pela a avó, “Vai pra dentro menino!” e ele teimoso e na sua pureza infantil se divertia com essa dádiva da natureza que arrasa multidões pela arrogância e necessidade do homem.
Enquanto a avó terminava de recolher calçinhas e cuecas no último varal o menino parou atônito, impressionado pela beleza assustadora e atonal da fúria de um trovão que estremecia todo o espaço com a voz de sua gravidez.
“Eita porra!” gritou o menino e a avó mesmo atarefada o repreendeu pelo palavrão sujo e mais que perfeita síntese do que o menino não sabia exprimir.
E mais uma vez a avó o mandava entrar, o que foi inútil até o primeiro tapa cantar no ar em direção ao pequeno corpo, agressão com direito e em prol da continuação da estirpe que não poderia se terminar por uma simples gripe. O menino choroso voltou-se para debaixo do batente da porta e continuava a olhar para as nuvens, já esquecido da super proteção da avó.
Até que em algum momento de sua completa e pura inocência somada a uma observadora curiosidade viu uma estranha lógica de raios seguidos de trovões. E envolto por sua vontade perguntou para a avó, “porque o céu clareia antes do barulho vovó?”
A avó ainda ocupada no resgate das roupas lhe cuspiu qualquer resposta como, “porque deus assim quis!” e para o menino assim ficou, até que um dia, sem heresias descobriu que de algum modo natural, a luz, seja por sua leveza ou por sua constituição totalmente enérgica é sempre mais rápido que o som o que pra sua mente imaginativa e ainda impressionada com a potência dos trovões sempre acha que a luz vem como anunciação do estrondo do mundo em forma de trovão.
A avó recolheu as últimas peças do varal em meio a grande pingos d’água e voltou-se para dentro da rústica e simples casa quase atropelando o garoto que fantasiava entre as construções da porta, e antes que ele pudesse esperar pelas próximas luzes seguidas dos encantados e assustadores barulhos sua avó já o mandava para o chuveiro, retirar toda aquela friagem da chuva com pingos de chuva, mas dessa vez elétrica.