Olho para seus olhos e não vejo nada e me
perco nesse azul profundo como o mar, no mar também há estrelas, não sei que
correntezas há em tua tristeza, não sei o que há em você, mas sei que gosta de
Clarisse, é tranquila, só que os olhos, esses olhos, esses olhos inquietos como
as ondas que me afogam de ansiedade e me fazem tentar parar de olhar para essa
maré, tua profundeza pode não dar pé. Ás vezes a vida nunca dá, será que você
já leu a biografia da Clarisse. Peço um suco, você tira os óculos suas pupilas
se contraem, a maquiagem esconde a ressaca de seus sonhos,Olha, veio bastante,
podemos dividir, Não quero, pode beber, não insisto mais, como inquieto com teu
silêncio, mas você gosta disso. Atrás de mim passa um carro, você o vê eu não,
mas o silêncio é quebrado.
E
enquanto como, falo, falo, falo, falo, museu, Jorge Amado, tristeza, suicídio,
você, eu, silêncio. Fiz uma tatuagem, quer ver, pergunto tentando desconsertar
teu silêncio. Sou barulhento e caótico, como as profundezas dos teus olhos.
Quero,
descubro o ombro e lhe mostro: Fé cega, faca amolada, você se aproxima, seus
olhos perdem o feitiço e por um momento tornam-se analíticos, De onde é essa
frase, me pergunta reencostando em sua cadeira. Uma música do Milton
Nascimento, gosta, você faz uma cara
indecifrável e não insisto no assunto, Sabe, se a fé for cega a faca tem que
estar amolada pra vida, isso é o que eu te digo, mas na mente me passa que não
há fé e que a faca seja amolada da próxima vez, só que você não
sabe ainda. Gostei, fez quando, Uns dias depois de surtar, Surtar como, fico sem
jeito, pra mim é normal, para as pessoas, pessoas como eu são estranhas, Quer
mesmo saber, Quero, mostro nos pulsos as chagas de minha aporia, você olha e
não me julga, mas sinto que por dentro vê a faca rasgar meus pulsos cegamente,
só não sabe o porque.
O
silêncio retorna, você demora, e então percebo, dividimos o vazio, por isso
você gosta do silêncio, você demora mas pergunta, Porque, Sei lá, tantas
coisas, isso te mostra a minha falta de sentido, e me entende, compartilhamos o
nada, e isso é algo forte, e te faz sentir ternura por mim. Termino meu suco e
levanto, acendo um cigarro, Vamos, Sim, você tem os movimentos lentos, não sei
se é cautela ou se te falta vontade de seguir, não comigo, não ao museu, mas de
seguir nesse vazio. Poderia lhe dar a mão, mas não temos intimidade, e seria
evasivo demais, e destruiria nosso nada, seria um berro em seu silêncio. O
sinal abre e os carros passam, não posso ouvir o que você disse, dou uma
tragada, Gosta de Jorge Amado, Mais ou menos, nunca li muito dele, Ah eu piro,
li vários, gosto muito. O sinal fecha e atravessamos a rua, preciso diminuir o
passo para acompanhar teu ritmo, será essa tua elegância, e você vai, como se
não soubesse à onde, por isso não há a pressa, ao contrario de mim, que pela falta de
perspectiva vou a mil, falo, fumo, falo, falo, falo.
Continuamos,
você fala pouco, acendo um cigarro no outro, Quantos cigarros você fuma num
dia, Sei lá, depende, abro a bolsa e tiro um livro, Tó, seu presente, fiz uma
dedicatória, você folheia, mas evita a dedicatória, quer guardar a surpresa pra
depois, mas fica curiosa, só que não tem pressa, entramos no museu, sou
obrigado a deixar a bolsa, pegamos o elevador e subimos, Para o Jorge Amado,
falamos ao condutor, Boa exposição.
Olhamos
parte por parte, eu te ensino o ABC de Jorge amado, dizendo não ter lido o ABC
de Castro Alves, em uma das paredes há milhares de fitas, cada uma de uma cor,
uma cruz e o selamento, fechando em si o nome de um personagem, eu conheço
alguns, você poucos, mas eu não ligo, olhamos as fotos, Aquela é legal, Olha
essa camiseta, Tenho uma parecida, Ai que fofa, Fofa né, e de repente você se
alegra, tem o riso de Zelia, ou Lilita.
Vou a
frente, como sempre apressado, e devoro cada foto, de repente, tuas mãos de vidro
me tocam, sinto um arrepio, perdi a intimidade com pessoas, e seu corpo
estranho me ouriça, e rapidamente com as mãos em minhas costas, Licença..., Claro, fico
tranquilo novamente, talvez sejamos parecidos, mas eu não gosto do vazio.
Após
vermos as fotos prosseguimos, mas o silêncio acaba, o lugar é sitiado por
crianças e suas câmeras digitais, Sabe quem é essa, pergunto a uma menina, Não,
olho pra você, olho para ela, E não quer saber, Ahn..., Essa é Iemanjá, a deusa
dos mares, as ondas são as dobras do seu vestidos e a renda de seu vestido quebra na espuma do
mar. Você me olha, sorri, acho que não sabia também, a menina olha assustada e
vai embora, fotografando tudo, e não levando nada. Pra quê as carrancas, Ah não
sei ao certo, acho que é pra espantar mal olhado, tipo uma careta, e faço uma
careta, Ahn... lá em casa tem um monte, eu sorrio.
Olho
no relógio, já é tarde, mas nem tanto, mas cansamos daquele barulho, mas ainda
precisamos pegar uma fitinha de recordação, proteção, Essa tá meio solta, Então
puxa, puxa, Calma, Puxa, Puxei, Enganchou, Ai saiu, Esconde, aê..., Lilita,
quero uma dessa vermelha, tentamos, mas Lilita não te escolheu, são assim com
os nomes, você consegue arrancar uma fita e enfia no bolso, Vamos ao banheiro
ai aproveitamos e vemos quais são as fitinhas.
Na
saída, você parece mais feliz, E aê, João Galo Doido, É combina com você, E o
seu, Ah um qualquer ai.
Se não era Lilita, era ninguém.
Te convido para uma cerveja, você não bebe, mas toma um copo,
se não Lilita, ninguém. Você se fecha,
terminamos a cerveja e vamos embora, na estação, falo de amigos, de viagens,
das loucuras, você só escuta, eu sou o excesso, você, não sei, uma esfinge, na
despedida, te abraço, Obrigado por hoje, se não fosse isso ia ficar a tarde em
casa chorando, Ah para, que isso, eu que agradeço a companhia, te dou um beijo
no rosto e nos despedimos. Cada um pro seu canto, cada qual no seu vazio,
embarco num trem, você em outro, mas esboço um sorriso, queria ter ficado mais,
queria te ver de novo, mas me sinto inocente, juvenil, o trem parte.
Me
sinto inocente, seu trem já partiu, inocente, eu olho a paisagem e sorrio,
odeio essa inocência, me sinto bobo, mas não mais vazio.