28 de jun. de 2011

Domingo na fruteira.

Ele permanecia deitado sobre os cobertores desarrumados, até o lençol, daqueles de elástico estava fora de lugar desnudando a beira do colchão de molas. Ela levantou-se num movimento reticente, nua, ele olhava suas costas brancas e reparava numa pinta ilhada em meio aquela maciez, e mentalmente lhe dava um nome.

Ela recolhe a calcinha jogada ao chão abraçada à calça tirada as pressas e a vestia, e pelo espelho ele via os seus seios pequenos, e aquela cena o fazia rir e então ele levantava-se e a abraçava por trás, batizando sua ilha particular com um leve beijo e ria quase ciente de que era felicidade que havia em si, pelo espelho ela via seu sorriso de menino e perguntava:

_ O que foi?

_ Nada não, ele ainda respondia rindo.

Ele senta-se mais uma vez e permanece na beirada da cama, atrás dela lhe fazendo cócegas na bunda com a ponta dos dedos, o sol tenta lhes invadir a intimidade pelas frestas da porta, enquanto ele distrai-se mentalmente pensando num nome pra pinta e pelo quê substituir o cd que repetiu-se infinitas vezes pela noite, ela pega o sutiã no outro extremo da cama e o coloca com os bojos para as costas e pelo reflexo do espelho ele vê ela abotoar o feixe moderno da roupa que ele teve dificuldades de retirar na noite anterior e lembra dela rindo dizer “esse é diferente, é assim ó” enquanto desnudava-se lhe ensinando como funcionava o feixe.

E com um movimento rápido e sereno ela vira o sutiã lhe cobrindo os seios lhe diz:

_ Pára de olhar!

_ Porque? Ele pergunta enquanto desvia o olhar dela em busca de cigarro, e em que play colocar pensando em algo com cara de domingo.

_ Porque eu queria ter peitos maiores.

Ele ri.

_ Gosto deles mesmo assim! E acende um cigarro enquanto ensaia abrir a janela para aliviar o cheiro de fumaça no quarto, mas desiste, quer o quarto só para os dois. Dá umas tragadas e bate o cigarro numa lata meio cheia que estava no chão e lhe oferece o cigarro, mas ela está de mãos ocupadas colocando a camiseta, ele espera sua cabeça sair sobre a gola como um animal da toca e lhe segura o cigarro entre os lábios, ela dá uma tragada e ele volta a sentar-se, enquanto ela passa o braço pelas mangas.

Pelo reflexo do espelho ele a vê a olhar-se e imagina ela analisando suas olheiras de pandas causadas pela maquiagem borrada e os cabelos grudados a testa pelo suor. Ele a puxa pela cintura fazendo a cair sobre seu colo, ela vira-se para ele e ela a beija enquanto o sol invade mais o quarto e a música continua a repetir-se alheia a eles.

E entre beijos os dois deitam inocentes ao mundo lá fora e invadem-se sem violência, com as bocas cruzadas a confundirem-se entre si e desnudando o resto do colchão que é testemunha de tudo aquilo.

E ele já não pensa mais no player a repetir-se e ela esquece do sutiã, já deitado de novo ao chão esperando por a abraçar mais uma vez, mas quando, sabe lá em qual domingo.

E até o sol esconde-se nas nuvens os deixando em paz, um no outro, cheios de um sentimento gostoso e doce de sei lá o quê!

8 de jun. de 2011

O primeiro amor.

Eu estava num dia daqueles, já eram quase 4 horas da tarde e eu ainda não havia almoçado porque haviam roubado o microondas do refeitório. E tive que me contentar com um pacotinho de bolachas água e sal e um refrigerante diet, que era o único que tinha gelado na cantina.

E toda vez que minha barriga roncava lembrava que a comida devia estar com o fundo duro e gelado no fundo da marmita, e o feijão devia estar aquela pasta dura que só. Entrei na sala de aula e comecei minha aula.

Após quase meia hora consegui fazer a chamada e reparei que já havia perdido um tanto considerável da aula, resolvi presentear meus alunos com uma aula livre enquanto corrigia umas atividades que estavam pendentes.

A sala manteve-se na sua zorra cotidiana, mas contida e eu corrigindo as atividades, faminto.

De repente um dos alunos aproximou-se de minha mesa e ficou me olhando, com aquele olhar de quem pede licença pra falar, ele não pediu licença, mas seu olhos pediam e a gente começa a sentir aqueles olhos olhando pros olhos da gente e não conseguimos mais manter a atenção, e eles continuam até serem notados.

Parei de corrigir as atividades por uns instantes e perguntei se ele precisava de alguma coisa.

Ele fez que não com a cabeça e continuou me pedindo atenção com os olhos, voltei a corrigir as atividades, mas agora sentia ele em cima de mim, fechei as atividades e perguntei mais uma vez se ele desejava algo ou se poderia ajudá-lo em alguma coisa.

Ele se aproximou timidamente e me perguntou se poderia me fazer uma pergunta, na dúvida da resposta que a pergunta carregaria lhe disse que dependia de qual fosse a pergunta e pedi que a fizesse para saber se a responderia ou não, mesmo sabendo que independente da pergunta que ele me fizesse minha reação a ela já esboçaria uma resposta, o que me obrigaria a respondê-la de fato.

Ele me disse que era muito importante, mas que tinha vergonha de me dizer o que era, lhe respondi que sem saber sobre o que seria não teria como ajudá-lo. Ele abaixou a cabeça e coçou levemente a nuca e voltou para seu lugar.

Tentei voltar a corrigir as atividades, mas a dúvida da pergunta agora fazia parte de mim e eu estava mais necessitado de saber algo do que ele.

Guardei minha coisas e fiquei encorajando ele com os olhos a vir por fim me perguntar seja o que fosse que lhe incomodava, mas ele parecia imerso numa folha de papel rabiscando algo com seus poucos anos de idade.

Após alguns minutos ele terminou de rabiscar algo no caderno e arrancou sua confissão junto a folha e levantou-se da cadeira, disfarcei que o observava e me dissimulei rabiscando algum papel qualquer que estava sobre minha mesa.

Ele veio novamente em minha direção e me cutucou gentilmente no ombro.

_ Tó professor, lê e me responde, mas não deixa ninguém ver.

Eu abri o papel e o li com toda cumplicidade. Ao terminar de ler, detive meu riso, não sabia se ria pelo enunciado ou pela minha falta de resposta a simples pergunta contida no papel.

“O que fazemos quando gostamos de alguém?”

Disfarçadamente lhe respondi que dependia, pois dependia de quem era o amado, mas minha resposta não o satisfez e ele saiu emburrado não me dando mais ouvidos e resmungando que eu de nada sabia da vida, e eu fiquei com um riso besta no rosto sem saber o que responder, me sentindo tão infantil quanto ele.

Ele voltou para seu lugar e como se nada tivesse acontecido voltou a rabiscar qualquer desenho num papel. E eu relia a pergunta tentando respondê-la para mim mesmo.

“O que fazemos quando gostamos de alguém?”

As empadas.

Cinquenta centavos a empada gritava o moleque, mas sua voz derretia no ar e as pessoas seguiam, preocupadas com a janta e o reprise do ultimo capitulo da novela. Eu descia as escadas no centro comercial da cidade e o menino seguia a gritar, cinqüenta centavos a empada, mas num tom tão atonal que me fez pensar se ele pensava que diabos ele fazia ali em pleno sábado a noite.

Aos seus pés havia uma caixa de isopor que deduzi ser o tumulo das empadas, que naquele ritmo só seriam vendidas no reprise do final da próxima novela, quando os atrasados telespectadores descobririam que o moçinho era o filho perdido do rico empresário que deixou tudo pro bastardinho que virou o herói da história no decorrer da trama e desmascarou o vilão que até quase o fim da novela era o moçinho e tido como verdadeiro filho do diabo que o parta, não sei se foi assim o fim da novela, mas sempre é ou quase sempre.

Me perdendo nessa reflexão terminei de descer as escadas e o menino continuava lá com suas empadas, e as pessoas com suas barrigas gritando pelo jantar que estava em casa por fazer, mas estava.

Comecei a pensar também no meu jantar e resolvi voltar para comprar algumas empadas, não estava com fome, mas com preguiça e cozinhar seria triste, como sempre se é quando temos que cozinhar e retirar as roupas do varal para terminar de secá-las a ferro para o dia seguinte ou qualquer coisa do gênero, mas me lembrei que era sábado e que não havia compromissos para o dia seguinte.

Voltei e lhe pedi três empadas.

Ele me respondeu que era pra já, e com um guardanapo de papel enfiou as empadas num saquinho de papel. Lhe dei dois reais e fiquei aguardando meu troco, enquanto eu devorava a primeira empada percebi que o menino entrava numa odisséia matemática tentando calcular meu troco mentalmente revirando os olhos em busca da resposta que deveria estar ali dentro em algum lugar.

Como estava sem pressa comi tranquilamente, quando chegava ao fim da segunda empada o menino derrubou enfim aquele processo matemático que o incomodava e me olhou com uma cara tímida, assim meio sem jeito.

Deduzi que ele tivesse se perdido nessa empreitada e não sabia qual seria meu troco, aliás, cheguei até a pensar que ele tivesse achado que não me devia troco algum, até ver que eu fiquei lá parado com a boca cheia de empada e achou que eu esperava algo, e de fato esperava.

Ele retirou mais uns guardanapos e achei que ele me ofereceria, mas então ele me perguntou:
_ Vai mais uma empada moço?

Olhei pra ele de boca cheia e meio interrogativo e com a boca entupida de empada respondi:
_ Não, obrigado!

O rosto dele desmanchou-se e pensei, deveria ter aceito a empada, acho que ele não sabe quanto me deve e pra não ficar sem jeito me ofereceu uma empada como maneira de desculpar-se. Até que ele insistiu:

_ Tem certeza?

Comecei a me enfezar e lhe fiz que não com a cabeça cheia de empada.

E então ele disse:

_ É que não tenho troco.

Foi ai que percebi que ele tentava se redimir perante o cliente guloso e insatisfeito que era eu. De repente ele fez uma cara de quem pede desculpas e resolvi aceitar a empada.
_ Então me vê mais uma vai!

Ele me serviu e me disse:

_ Obrigado moço, é que essas foram as primeiras empadas que vendo hoje.

Aquilo me incomodou um bocado, fingi lembrar de um primo faminto que me esperava em casa e lhe pedi mais três empadas e lhe dei mais dois reais, mas dessa vez não esperei pelo troco, peguei minhas empadas e fui embora.

Ao chegar em casa imaginava o ingênuo sorriso que o menino teria ao perceber que ganhara cinqüenta centavos de caixinha, isso se ele percebesse e essa possibilidade me entristeceu, e para afogar minhas magoas comi as outras três empadas e fui ver o reprise da novela.

6 de jun. de 2011

Zoo de brincar.



No extremo sul do papagaio

tem um moleque a desbicar,

no céu sua felicidade de erê.

Corre que é pipa no ar

e arraia feita de sei lá o quê.

E no estranho azul desse céu,

há nuvens laranjas de sol

no verde azul do papel

que é todo feito de machê!



1 de jun. de 2011

Sem título.

O sinal põe-se vermelho e o sangue jorra pelo cruzamento de vias e antes que a luz verde acenda-se uma multidão já se aglomera entre os corpos dos carros adormecidos, lá do fundo da fileira de carros já ouvem-se buzinas irritadas.

Um dos motoristas dos carros das fileiras mais distantes do acontecimento sai curioso de seu veículo para ter a confirmação visual do ocorrido, e as buzinas continuam, são as trombetas anunciando que naquele fim de tarde mais um estranho extraviava-se da continuidade da vida, teria passado despercebido não fosse o engarrafamento causado pelo corpo em meio as ferragens.

O motorista curioso ergue-se nas pontas dos pés para ver o corpo em meio a multidão chocada, alguém na multidão pede pra que abram espaço que não mexam em nada, que alguém acionou uma autoridade responsável e pede que todos dispersem, mas o corpo fechando o cruzamento é o álibi ideal para que cada um continue ali estático apreciando a ultraintimidade do corpo.

Até um curioso cachorro vela o corpo acidentado, mas com olhos doces e humanos, em um dos carros a mãe tenta distrair a filha lhe contando histórias e sentindo-se desumana por estar mais preocupada com a integridade da filha do que com a pobre vítima, mas isso não importa.

Sentado na calçada o motorista do ônibus envolvido no acidente treme sentindo-se responsável pela calamidade, enquanto os passageiros imaginam-se se estivessem um ônibus atrás ou um ônibus a frente da desgraça, tentam consolar o motorista dizendo que o sinal vermelho lhe tirava o peso da consciência.

Um deles dizia que a culpa era do motoqueiro que cruzara o sinal vermelho e que ele não sentisse-se culpado. O motorista fazia que sim com a cabeça, mas num completo estado de afasia, enquanto a multidão começava a crescer.

Dentro de minutos as buzinas entraram em luto e as vias estagnaram-se completamente, era impossível o fluxo do sangue.

Era impossível a retirada do corpo e todos ficaram lá a espera de algo, como se o corpo pudesse ressuscitar , com as filas de carros crescendo era também impossível que ambulância que se anunciava desde longe pelas sirenes conseguisse ajuntar-se ao grupo e higienizar as vias e o transito.

Enquanto isso todos sentiam-se responsáveis pelo corpo, a noite começava a ofuscar o sol e algumas pessoas voltavam-se para seus carros, de vez em quando um retardatário ou outro juntava-se ao fim das fileiras e buzinava irritado, até descobrir o desastre e silenciava sua buzina de maneira vergonhosa.

Após algumas horas a multidão mudava de rostos, os menos curiosos passavam ao longe perguntando sobre o ocorrido e com ar de estranhos pesares faziam o sinal da cruz sobre o peito e seguiam com uma fração da culpa.

O transito era cada vez maior, as autoridades já articulavam outras vias entre a cidade para evitar novos carros na via acidentada, quase ao fim da noite o corpo foi levado e todos seguiram, nessa noite não houve jantar, os maridos requentaram seus pratos nos microondas, os solteiros alimentavam-se do que fosse mais rápido e pratico e todos foram dormir tranquilamente.

No dia seguinte o transito estava normalizado, mas o motoqueiro passava a existir.